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De repente já nos trinta

De repente já nos trinta

Parir em tempos de covid

28.10.20, Girl About Town

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Quando engravidei, uma gravidez completamente planeada a dois, imaginei muita coisa, sonhei muita coisa, mas nunca pensei que o momento que todas as grávidas aguardam com mais expectativa, o momento pelo qual esperamos durante nove meses, o momento em que conhecemos o nosso bebé, aquele que deveria ser o momento mais feliz das nossas vidas fosse para mim recordado como um momento traumático. Podem ler mais sobre isto aqui.

Ainda antes do fim da gravidez já eu andava preocupadíssima com a possibilidade de o pai do meu bebé o meu namorado não poder assistir.

Nas consultas de termo acabaram por sossegar-me um pouco no hospital, pois disseram-me que o pai era logo testado com a mãe e que se tivesse teste covid negativo, poderia entrar na sala de partos na fase ativa do parto, quando a mãe atinge os seis centímetros de dilatação.

Ora sendo o primeiro filho sabia que o trabalho de parto iria ser longo, logo pensei que tendo em conta as horas que me disseram que o teste demorava a ficar pronto (6 horas) fiquei certa que o pai estaria presente.

Eu comecei a sentir contrações no dia 5 de julho, ao longo de toda a tarde, tanto a minha mãe como a minha sogra disseram-me que a coisa devia estar por horas.

Jantei na minha mãe e depois fui para casa descansar, fui monitorizando as contrações que foram ficando cada vez mais fortes e que nem me deixaram dormir nessa noite.

As 4:30h já não aguentava mais e fui para o Hospital com o meu namorado.

Aqui começou o meu pesadelo.

Achei eu que íamos os dois fazer o teste do covid, mas não, o meu namorado deixou me na porta das urgências às 5h da manhã sozinha, nem o deixaram lá entrar, disseram-me para ele voltar as 11h para fazer o teste.

Entrei nas urgências, que estavam completamente vazias, a chorar e a sentir uma tristeza enorme, acho que nunca me senti tão sozinha. Ainda hoje choro a lembrar-me daquele momento e ainda hoje o meu namorado diz-me o que lhe custou deixar-me ali sozinha.

Depois de ser examinada lá me disseram que estava sim em trabalho de parto e internaram-me.

Fiz o teste do covid e depois fui para o bloco de partos, sozinha, estive sozinha o tempo todo.

Ia entrando uma enfermeira, uma auxiliar, mas ninguém estava realmente interessado em mim, não tinha ali ninguém para me apoiar.

O dia nasceu, e eu continuava sozinha e a cada pessoa que entrava eu perguntava pelo teste do meu namorado que, entretanto, só fez o teste ao 12h.

Disseram-me que só lá para as 19h é que sairia o resultado.

Se eu já estava em baixo, pior fiquei, o parto foi um horror, como poderão ler num outro post que escrevi sobre o assunto, e aquela informação só me deixou ainda mais triste.

O meu bebé nasceu, fiquei horas a ser cozida, fui transferida para um quarto e nisto já eram 19h e nada do resultado do teste do meu namorado.

Acho que chamei os enfermeiros e auxiliares mil vezes e todos me diziam coisas diferentes, que não sabiam do teste, que isso não era com eles, que tinha que esperar, que iam perguntar, a verdade é que nunca ninguém voltava para me dar uma resposta.

Ninguém naquele hospital queria saber se eu estava sozinha ou acompanhada, nunca em momento algum alguém demonstrou interesse em tentar saber o resultado do teste.

Perto das 23h a minha mãe que tem colegas que trabalham no hospital liga-me e diz-me que possivelmente só teremos resultado do teste no dia seguinte, aqui desabei completamente, já tinha passado as horas anteriores a chorar mas depois disto foi o horror. Por lá fiquei a chorar quando entrou uma auxiliar e eu lhe expliquei que ainda não tinha resultado do teste. A auxiliar lá se dignou a ir ver o que se passava com o teste e poucos minutos depois vem me dizer que o pai podia entrar.

O pai entrou no hospital já perto da meia noite e eu quando o vi parecia que estava a ver deus.

De repente já não estava sozinha, fiquei aliviada, mas não propriamente feliz, essa felicidade foi-me roubada.

Estive sozinha naquele hospital desde as 5h até à 00h, posso dizer que nunca me senti tão triste, tão sozinha, tão abandonada, senti-me roubada, ainda hoje me sinto.

Roubaram-me a mim, ao pai e ao bebé algo que nunca iremos conseguir recuperar, o nascimento do meu primeiro filho vai estar para sempre manchado por esta tristeza que senti.

Muitas grávidas ou mães poderão dizer que somos mulheres, somos fortes, não precisamos de acompanhante, mas isto não é verdade, não foi verdade para mim pelo menos.

Eu precisei muito de uma cara conhecida, precisei muito de alguém que me apoiasse e não tive esse apoio, tive que passar por um trabalho de parto que não foi nada fácil, sozinha, absolutamente sozinha.

Também me poderão dizer que estamos bem entregues às equipas médicas nos hospitais, mas isto não podia estar mais longe da verdade, há pessoas que tem a sorte de apanhar boas equipas, equipas humanas e que promovem o bem-estar da grávida e do bebé, mas infelizmente este não é o caso da grande maioria.

Não foi o meu caso.

Ter um acompanhante é um direito da grávida, como é que esse direito nos é negado em nome no covid, mas depois é possível haver assistência em jogos de futebol e formula 1, é possível ir à festa do avante, é possível andarmos todos ao monte nos centros comercias. Não há coerência.

Se é possível fazer o teste à grávida e obter o resultado atempadamente porque não conseguimos o mesmo com o acompanhante?

Porque não se consegue que os dois resultados saiam ao mesmo tempo?

Para mim, isto é pura má vontade, ninguém se está para chatear, ninguém quer saber se uma grávida tem que estar quinze horas ou mais sozinha num bloco de partos, ou se um pai não vê o filho nascer, não é um problema deles, até lhes dá mais jeito assim, é menos gente na sala de partos.

Ninguém se está para chatear com o assunto e então a desculpa do covid lá vai continuando a impedir pais de verem os filhos nascer e lá se vai deixando as grávidas ainda mais vulneráveis, num momento já de si sensível.

Parece-me que no meio da luta contra o covid acabamos por perder uma boa parte da nossa humanidade, a preocupação pelo bem-estar do outro passou para segundo plano.

Por mim e por todas as outras grávidas que já tiveram os seus bebés e não puderam ser acompanhadas já não podemos fazer nada, mas ainda é possível alterar a experiência das grávidas que ainda vão ter os seus bebés.

Em vez de esperar que os hospitais tenham a sensibilidade de perceber que ter acompanhante é um direito que não pode ser negado, a DGS devida de obrigar, sim obrigar os hospitais a aceitar acompanhantes se assim for o desejo da grávida, já vimos que os pareceres não levam a lado nenhum, então vamos tomar medidas mais sérias, para que mais nenhuma grávida tenha que passar por tudo sozinha e para que os pais  não sejam mais impedidos de ver os seus filhos nascerem.

Pelo fim da violência obstétrica

27.10.20, Girl About Town

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Antes de engravidar o conceito de violência obstétrica não era muito claro para mim, na verdade nunca tinha sentido necessidade de refletir sobre o mesmo.

Provavelmente, da mesma maneira que para mim era um conceito pouco presente, se calhar também o é para muitos de vocês. Por isso, parece-me mais que adequado começar este texto com uma pequena definição do que é a violência obstétrica.

"A violência obstétrica é a violência contra as mulheres no contexto da assistência à gravidez, parto e pós-parto. As formas mais correntes de violência obstétrica incluem abusos físicos ou verbais, práticas invasivas, uso desnecessário de medicação, intervenções médicas não consentidas, humilhação, desumanização e recusa de assistência ou negligência pelas necessidades da mulher."

Posto isto, devo dizer que eu fui uma grávida que leu tudo o que era livros sobre bebés, maternidade e afins, vi muitos documentários sobre partos, partos vaginais, cesariana, percebi o que queria e não queria para o meu parto.

Percebi que queria um parto o mais natural possível, sabia que episiotomia não era necessária nem me garantia que não fosse sofrer uma lesão perineal, sabia que não queria ocitocina para acelerar o parto e queria a cada momento ser informada de tudo.

Eu estava muito bem informada e preparada para fazer valer os meus direitos...achava eu.

Quando cheguei ao hospital fui examinada para saber se estava em trabalho de parto, aqui fizeram-me o dito toque maldoso, e o que é o toque maldoso?

Basicamente é quando o médico introduz os dedos na vagina da grávida de modo a descolar as membranas e meio que induzir o trabalho de parto. Para descolar as membranas não basta introduzir os dedos na vagina, é preciso fazer ali uns movimentos bem bruscos.

Isto não tem qualquer validade científica, o facto de o fazer não significa que o parto vá acontecer logo, além disso é extremamente doloroso para algumas pessoas e necessita do consentimento da grávida para ser feito.

Fizeram-me o toque maldoso sem sequer me informarem ou perguntarem se eu autorizava, simplesmente fizeram-no.

Senti uma dor horrível, fartei-me de sangrar e honestamente senti-me violada.

E qual a necessidade disto? Segundo o médico era para pôr " a coisa a andar" e eu pergunto qual a necessidade de apressar o que deveria de levar o seu tempo?

De seguida fui levada para o bloco de partos onde me mandaram tomar banho, vestir uma bata e deitar-me na cama.

Foi-me colocado o soro e segundo o que me disse a parteira um medicamento

Quando perguntei que medicamento estavam a administrar, disse-me que era ocitocina, e para que serve a ocitocina? No trabalho de parto, é a ocitocina que faz o útero contrair e que desencadeia a dilatação e promove a expulsão do bebé.

Isto acontece naturalmente, o nosso próprio corpo vai libertando ocitocina ao longo do trabalho de parto. Ora então se isto acontece naturalmente porque é que me foi dado ocitocina se eu já estava em trabalho de parto? Segundo a enfermeira, para acelerar a coisa.

Mais uma vez, qual a necessidade de apressar o trabalho de parto?

A partir daqui colocaram-me no CTG e já não me deixaram levantar mais.

Se até ali estava a aguentar bem as contrações, ia caminhando pela sala de partos o que ia ajudando, quando a ocitocina começou a fazer efeito e não me deixaram mais levantar, as dores começaram a ser insuportáveis e eu pedi a epidural.

Estive meia hora para levar a epidural e depois de quatro doses continuava a sentir tudo. Nisto a parteira só reclamava comigo a dizer que assim não podia ser que era normal sentir dor e que não podia estar sempre a ir lá ao quarto.

Passaram-se umas duas horas sem que ninguém lá fosse e eu farta de chamar a morrer de dores, quando percebi que o botão para chamar não funcionava.

Depois de estar mais um bom tempo a berrar, lá apareceu a parteira que disse que eu devia ter desligado o botão sem querer.

Lá chamou o anestesista que achou estranho eu sentir tudo e chegou-se à conclusão que o cateter estava mal colocado e não estava a levar o medicamento para onde devia, para não estar a retirar e colocar novamente, disse-me que não poderia dar-me mais doses, ia tentar uma coisa diferente.

Que coisa diferente foi essa não faço ideia. Só sei que depois disso fiquei tão dormente que acabei por adormecer e só acordei com a parteira a berrar comigo para fazer força.

Por um momento nem percebi bem onde estava, quando percebi, percebi também que não sentia nada, rigorosamente nada da cintura para baixo, estava completamente drogada.

Não senti aquela vontade de puxar que é normal sentir no momento da expulsão, ainda assim tentei fazer força como podia, quando ela dizia para fazer.

Entretanto, vejo a parteira pegar num utensílio tipo uma tesoura e quando vi ela a retirar a tesoura coberta de sangue percebi logo o que ela tinha feito, episiotomia.

"Episiotomia é uma incisão efetuada na região do períneo para ampliar o canal de parto"

"...A episiotomia é um procedimento cirúrgico quase universal que foi introduzido na prática clínica sem evidência científica que suportasse o seu benefício. O seu uso continua a ser rotineiro apesar de não cumprir a maioria dos objetivos pelos quais é justificado, isto é, não diminui o risco de lesões perineais severas, não previne o desenvolvimento de relaxamento pélvico ..."

Mais uma vez foi-me realizado um procedimento sem sequer me informarem, ninguém me perguntou se queria ou não que fizessem episiotomia.

Lá continuei a tentar fazer força e ao fim de dois puxões a parteira diz-me que não estou a fazer nada de jeito e que assim ainda ia matar o meu filho.

Ninguém pode imaginar o horror que é num momento daqueles, sozinha no meio de um bando de desconhecidos ouvir uma coisa destas quando estamos a tentar trazer o nosso filho ao mundo.

De seguida fez aquilo que eu mais temia, disse que eu não estava a conseguir e que era preciso chamar o obstetra para dar uma ajuda.

A ajuda foi a famosa manobra de Kristeller.

"A manobra de Kristeller é uma intervenção no período expulsivo que envolve a aplicação de pressão manual na parte superior do útero em direção ao canal do parto. Esta é uma prática desaconselhada segundo a mais recente evidência científica, relatada como desconfortável e perigosa (WHO, 2018). Atualmente, é um procedimento que se enquadra no âmbito da violência obstétrica (Human Rights in Childbirth, 2015). Geralmente não fica registada no processo clínico da mulher"

Mal a parteira disse que ia chamar o médico para dar uma ajuda, percebi logo o que iam fazer.

Pedi, não! Eu não pedi, eu implorei! Berrei, para não o fazerem, tentei afastar o médico com as mãos e ele só me mandava calar, ele e a parteira, disseram-me; "que não era caso para tanto berreiro" "que ia assustar as outras grávidas" e nisto coloca-se por cima de mim e crava os cotovelos na minha barriga.

Vocês não tem ideia da dor que aquilo provoca, a epidural não adormece a zona da barriga nem das costelas então uma pessoa sente tudo, eu senti que iam partir-me as costelas tamanha é a dor, é mesmo horrível, mil vezes pior que as contrações, parece que nos estão a partir por dentro, é horrível, é traumático e por alguma razão é uma manobra proibida e considerada violência obstétrica.

Durante os cinco, dez minutos que aquilo durou, pareceram horas, eu chorei, berrei como nunca na minha vida. Acho que toda a gente naquele piso me ouviu gritar.

Nunca me vou esquecer de um estagiário que estava na sala, estava branco a olhar para mim, o rapaz estava também ele à beira das lágrimas e veio ao pé de mim muito nervoso a dizer-me para ter calma, que era muito corajosa e que estava a ir muito bem.

Foi a única pessoa que naquele dia perdeu uns minutos a transmitir-me alguma palavra de conforto, um miúdo que não devia ter mais que 25 anos, foi o único que conseguiu ter a sensibilidade para me dizer uma palavra amiga.

Quando disseram para levantar-me para ver o bebé sair e vi-o sair de dentro de mim, depois daquele segundo em que vemos o nosso bebé pela primeira vez, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi que que estava ali sozinha, o pai estava em casa, impedido de assistir ao nascimento do filho, a segunda, foi que aquela dor toda finalmente tinha acabado, mas não.

O obstetra ainda andou ali a cravar os cotovelos na minha barriga mais uns bons minutos que mais uma vez pareceram horas e eu mais uma vez a pedir para parar, lembro-me de gritar "chega!" umas boas quatro vezes e fui ignorada de todas elas.

Lembro-me de olhar para o bebé e algo me fazer confusão, mas logo de seguida, depois de ele dar aquele primeiro choro da vida, colocaram-no no meu colo, podemos fazer o contacto pele a pele que é maravilhoso e uma pessoa no momento meio que esquece tudo.

Entretanto a parteira diz-me que tem que chamar uma equipa medica, mas que é para eu estar calma.

Eu estava ali distraída com o bebé, mas quando pegaram nele para o ir limpar e vestir percebi que tinha umas cinco pessoas a olhar para mim a falar entre elas com ar muito preocupado enquanto que umas outras estavam a tirar um monte de compressas ensanguentadas para o lixo, muito sangue mesmo.

Lembro-me de olhar para o bebé e ele estar lá calminho com a pediatra a ser limpo e eu pensar, "ele parece bem, ninguém está de volta dele, logo o problema deve ser comigo."

A primeira coisa que me passou pela cabeça foi que talvez estivesse com uma perda de sangue muito grande ou então com algum problema no útero.

Eles iam falando entre eles coisas do género " o útero esta intacto? de onde vem? vamos tentar reconstruir, depois logo se vê como ficará"

E nisto uma médica, depois de perceber que eu estava a olhar para eles com um ar aparvalhado pergunta-me se estou bem ao que eu respondo que acho que sim, e pergunto-lhe, "mas estou mesmo?"

Ela ficou com um ar ainda mais aparvalhado que o meu e diz-me que já me explica o que se passa.

O meu bebé nasceu as 14:55h, sai do bloco as 19h, estive aquele tempo todo a ser cozida e só no fim é que alguém se dignou a dizer-me o que se passava e mal.

Só no dia a seguir quando a obstetra veio fazer a consulta de avaliação depois do parto é que me explicaram detalhadamente o que se passou

Basicamente fiz uma laceração grau III que é uma laceração perineal grave. Não vou estar aqui com detalhes, mas foi complicado e poderia ter-me trazido consequências muito complicadas no futuro.

Aqui vemos que realmente a episiotomia não serviu para nada, apenas para piorar a recuperação pós-parto.

Além disso ainda tive uma perda de sangue mais acentuada que o normal, o que resultou numa anemia.

Fizeram reconstrução e supostamente iria recuperar, mas tenho que ser seguida no hospital por alguns meses para ver se a coisa fica resolvida.

Isto são coisas que podem acontecer em alguns partos, o problema nem é esse, o problema é estarem ali todos a falar sobre mim e não serem capazes de explicar a uma pessoa o que se está a passar.

Devíamos ser informadas a todo o momento do que se está a passar connosco.

Ainda no bloco de partos, quando já todos tinham ido embora a parteira vira-se para mim e diz me: "já viu o menino vinha com o cordão à volta do pescoço? teve sorte."

Foi quando ela me disse isto que eu percebi o que estava errado quando olhei para o meu bebé mal ele saiu, ele tinha o cordão à volta do pescoço e eu estava tão inerte que quando olhei para ele e vi aquela coisa roxa à volta do pescoço dele nem percebi.

Só consegui pensar que comentário infeliz foi aquele para se fazer num momento daqueles.

Lembro-me de ter ido para o quarto e estar com o meu bebé ao colo e chorar desalmadamente quando comecei a rever na minha cabeça as imagens daquele parto, isto enquanto passei horas sozinha à espera que deixassem entrar o meu namorado, pai do meu filho.

Eu tinha idealizado tanto um parto bonito, humanizado, eu sei que ia sentir dor e é normal, faz parte da dádiva que é trazer um ser humano ao mundo, mas não esperava que fosse me sentir ignorada, sozinha, desrespeitada, violentada no fundo.

Eu estava informada, sabia o que queria, sabia o que não queria e mesmo assim não fui capaz de evitar aquilo que me fizeram, penso sempre que se tivesse o pai por perto ele teria intervindo e evitado aquilo tudo. Durante muito tempo senti-me culpada por não ter sido capaz de fazer valer os meus direitos, ainda hoje me sinto.

Mas a culpa não foi minha, eu pedi para parar, eu implorei na verdade, em momento algum eu autorizei que me fossem feitos aqueles procedimentos, mas aqueles médicos nunca quiseram saber da minha vontade para nada.

Quando tive alta senti logo imensa necessidade de desabafar, de falar sobre o assunto, as respostas que tive aos meus desabafos foram todas iguais, "isso é normal, os médicos é que sabem, as vezes é preciso fazer essas coisas para os bebés saírem, não tem mal nenhum".

Como assim?

Normal? Não é normal, não, não é preciso e sim tem mal, tem muito mal.

O corpo é nosso, ninguém tem o direito de nos cortar sem o nosso consentimento, sem sequer sermos informados.

Não é suposto o nascimento do nosso filho parecer um filme de terror, é suposto que sejamos informadas do que se passa com o nosso corpo, que tenham em consideração os nossos desejos, as nossas vontades e que se faça tudo para que o bebé nasça saudável, com menos intervenções possíveis e no seu tempo, sem se apressar o que por natureza demora horas.

Uma coisa que me surpreendeu quando falei sobre o assunto com outras mães foi a quantidade de grávidas que passaram pelo mesmo que eu e como para elas apesar de traumático acabam por achar normal e calam-se, não falam sobre o assunto.

Eu lembro-me de logo nos dias a seguir ao parto querer falar com a minha mãe sobre o assunto e ela estar sempre a desviar o assunto, dizia-me para não falar mais no assunto que já tinha passado, mas não, não passou, acho que nunca vai passar.

Para sempre vou-me lembrar daquele sofrimento todo e para sempre vou inevitavelmente associar o nascimento do meu filho a um momento traumático e isto é tão triste.

Por isso escrevo este texto, que apesar de muito pessoal, de certeza que reflete o que muitas mulheres já viveram em vários hospitais espalhados por este mundo fora.

E porque nos calamos? Enquanto que as mulheres não falarem, não denunciarem, as coisas vão permanecer iguais.

Se até bem pouco tempo não queria falar sobre o assunto agora acho importante, é importante que se mude esta mentalidade de que se pode fazer tudo a uma mulher durante o parto.

Não se pode, não somos bonecos.

Somos mulheres a levar a cabo a mais difícil das missões, trazer um filho ao mundo e por isso merecíamos todo o respeito e dedicação dos nossos profissionais de saúde.

 

De repente já nos trinta

26.10.20, Girl About Town

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2020 está a ser um ano que certamente ficará para a história de todos e não pelas melhores razões.

Foi o ano em que fiz 30 anos, os trinta são um marco importante, para mim foram, decidi não festejar e hoje arrependo-me imenso.

Acho que deixar os vintes e entrar nos trinta merecia uma celebração, mas estava grávida, enjoada, com sono, tinha sido recentemente informada da não renovação do meu contrato então estava desanimada, sem grande vontade de celebrar.

Sim, basicamente comecei 2020 desempregada, o que já adivinhava que este não ia ser propriamente um ano fantástico.

Mas no fundo foi.

Foi o ano mais importante da minha vida, foi o ano em que fui mãe, o ano em que nasceu o meu bebé e apesar de ser um grande cliché, foi também o ano em que nasceu uma nova mulher.

Por isso acho que faz sentido mudar o nome deste espaço, e apesar do novo nome, muito pouco original por sinal, acho que faz todo o sentido.

Sou uma pessoa muito diferente do que era há quase seis anos quando criei este blogue e o nome antigo já não me representava.

Este, apesar de pouco original, representa-me.

Representa-me porque de repente, assim sem dar conta, tenho quase 31 anos, um filho lindo para cuidar e educar, um namorado, futuro marido maravilhoso que eu adoro, a nossa casinha e uma família que adoro.

Não tenho tudo o que desejei, mas tenho para mim o mais importante.

Um dia uma pessoa muito especial ao dar-me os parabéns pelo nascimento do Tomás, disse-me o seguinte:

"Que sejam todos muito felizes, tenham muita saúde, cuidem sempre muito uns dos outros, tudo o resto são conquistas que vamos somando ao longo da vida"

Nunca uma frase fez tanto sentido para mim.